“Nessa vida nada se cria, tudo se copia… Se a ideia é legal, pode fazer!” – era o que meus editores me diziam há 17 anos quando o pequeno Renatinho começou no jornalismo de cultura pop.
Boas idéias que já haviam sido criadas eram discutidas, revistas e reinterpretadas com apuração de fatos.
A Gamers onde eu comecei era uma bagunça. Uma amálgama louca e distorcida de notícias, reviews e faqs que apareciam na internet. Líamos tudo, copiávamos o que era bom e dispensávamos o que não dava certo. Recriávamos muitos e muitos textos com nossas próprias palavras, mas com a essência daquela ideia original que gostaríamos de ter tido.
Da Gamers pulei pra Conrad e daí fomos pra Herói, Nintendo World, Pokémon Club e muitas outras revistas. Algumas das melhores idéias destas publicações saiam da antiga Wizard americana, da EGM, da falecida e maravilhosa Nintendo Power e das muitas edições japonesas da Coro Coro Comics que serviam de inspiração para as edições da Pokémon Club.
Infelizmente as informações eram escassas e pelo menos no começo os editores não tinham contato ou intimidade o suficiente para garimpar direto das fontes oficiais, tô falando das empresas gringas que tinham o direito do material. Era tudo “quase” pirateado. Revistas estrangeiras eram escaneadas e traduzidas, depois reescritas porque não haviam imagens oficiais disponíveis.
Concorrer com os americanos e japoneses neste meio sempre foi difícil também. E nem é só porque há uma preferência que qualquer tipo de anúncio ou revelação saiam primeiro por lá, já que são os dois maiores países que exportam cultura pop pro resto do mundo, mas também porque os jornalistas de games moram ao lado das empresas.
Me lembro quando fui ao prédio do PlayStation e um dos desenvolvedores lá presentes estava animado em me mostrar o lugar já que poucos jornalistas brasileiros haviam entrado ali até então. Me lembro de um comentário: “Que raro ter vocês aqui! A Game Informer vem toda semana”. No Vale do Silício é só pegar o carro e sair visitando a geral.
O lance é que as boas ideias, se elas forem realmente boas, correm mesmo o risco de serem reinterpretadas muitas vezes e por muitas pessoas. Não importa se é texto, vídeo, sinal de fumaça, braille, etc… Não tem e nunca teve nada de errado retransmitir e reimaginar boas idéias. Eu sempre fiz isso adaptando assuntos interessantes.

Mas aí temos o que aconteceu com o Marcus Oliveira do IGN Brasil que usou o roteiro de um vídeo do canal “Writing on Games” do youtuber escocês Hamish Black para escrever seu artigo sobre The Legend of Zelda: Breath of The Wild. Ao invés de reinterpretar a ideia em algo novo adicionando mais elementos e apurando os fatos, ele traduziu o roteiro do vídeo de maneira que Hamish colocou o texto no Google Translate e ele saiu exatamente igual. O vídeo em questão é este abaixo:
A transposição deste roteiro em um texto idêntico em português gerou revolta do autor que publicou seu descontentamento em sua conta no twitter (@hamboblack) dizendo que o site plagiou seu conteúdo.

A sequência dessa história rendeu um pedido de desculpas do Marcus pelo twitter ao Hamish (abaixo), a matéria saiu do ar no IGN Brasil logo em seguida e um pedido de desculpas oficial do site foi enviado ao autor.

Enfim, neste caso específico não tem muito o que dizer, vacilou e errou feio no que fez, mas isso TODO mundo já sabe. Eu sei, você leitor sabe, o Marcus já sabe e os chefes dele também.
O que talvez vocês não saibam é que trabalhar publicamente em um veículo como o IGN Brasil tem uma pressão enorme. O redator trabalha muitas vezes mais de 10h por dia sem receber nada a mais por isso, ganha um salário que tá longe do ideal e é cobrado todo dia por texto, podcast, vídeos e o escambau. Saiu um jogo novo e você foi designado a fazê-lo, então tem que correr atrás de produzir conteúdo antes da concorrência, criar muito material em pouco tempo e fazer das tripas coração. Além disso, você sofre “hate” de uma galera na internet que só joga o dia todo e te acha um bundão. Pra essa galera a gente é vidraça sempre.
Na pressão de toda essa cobrança diária, mesmo com toda apuração e cuidado que se tem, as pessoas fazem MERDA. E não é só no jornalismo de games, mas em qualquer lugar. E bom, errar é humano. (desculpe o chavão!)
Por favor, não to justificando o erro do Marcus.
O erro do Marcus foi o de estar na pressão do momento pra subir o texto o mais rápido possível e se deixar ser seduzido por um conteúdo já pronto de que ele gostava. E nisso veio o kibe que nada justifica. O vacilo colocou a integridade do IGN Brasil em pauta por conta de uma única pessoa. Errou feio sim, errou rude e tá pagando por isso.
O lance agora é pedir perdão (o que pelo que entendi ele já fez) aceitar a punição e recomeçar, como tantos outros autores que já vi passarem por situações deste tipo. Sério, daria pra listar vários exemplos de um monte de sites e jornalistas específicos. E é provavelmente por isso que você não vai ver por aí a mídia especializada e sites enormes metendo o pau na mancada do Marcus e nem falando muito sobre o assunto porque seria quase o roto falando do rasgado. Sem falar que neste meio todo mundo se conhece e o jornalista que você achincalha hoje pode ser seu editor genial com as melhores matérias amanhã. As pessoas erram, se redimem e se esforçam para não repetir. Esse é o meu desejo pro Marcus.
[ATUALIZADO ás 15h40]: Eu liberei o texto há algumas horas e já li várias opiniões sobre o assunto e nesta parte do texto acima o pessoal acha que to defendendo o Marcus por copiar o artigo. E bom, obviamente não é isso. Particularmente achei a falha muito grave, mas não sou eu quem decide isso e sim internamente na direção do IGN Brasil. Não é o meu papel. E quando digo que a mídia especializada não vai comentar o assunto, realmente não há motivo algum para fazerem isso já que é um caso referente apenas ao site. Acho que cada um deveria ter seu ombudsman para resolver coisas deste tipo porque maiores ou menores, erros cometemos todos.
“Ah, Renato você é do meio e tá falando sobre isso!” – Sim, este é um blog! Não significa que sou um bastião da ética jornalística porque também já fiz merda, mas essa história me deixou com vontade de comentar porque conheço e curto o pessoal do IGN Brasil.
Só pra citar um exemplo: Uma vez escrevi um guia de viagem sobre o Japão pra uma revista famosa na época, acho que se chamava Viagem ou algo assim. Nele pedia para as pessoas visitarem o Monte Fuji que em japonês se chama Fuji-san. Li sobre a montanha e tentei desvendar o significado do nome indo pelo caminho mais fácil possível. Sabemos que o “san” (さん) é usado como forma de respeito como “senhor ou senhora”. Nisso coloquei no texto que os japoneses respeitavam tanto a montanha que a chamavam de Fuji-san (“Senhor Fuji”). Entreguei a matéria e ela foi publicada. Uma amiga japonesa estudante de português leu o artigo e tirou sarro da minha cara. O ideograma de “san” também pode ser interpretado como “monte ou montanha” (さん, pode ser 山), por isso Fuji-san era apenas “Monte Fuji”. Ela achou bonitinho, meu editor não. Teve que ser corrigido na edição seguinte naquela seção de erros. Me desculpei e me senti bem burro por uns meses.
Jornalismo é um trabalho de extrema confiança. Ser jornalista é se manter íntegro com o material que se publica. O editor confia sua vida na equipe que colocou pra trabalhar com ele. A função do editor é formatar o material para que tenha a “cara” do site ou revista a qual o artigo será publicado. Se tiver dúvidas o editor pede a apuração e checagem de informações, mas sempre confiando no autor que as escreveu. Basicamente, em um caso como este nem mesmo o editor era capaz de impedir a publicação.
A grande felicidade que temos neste meio é que em geral todos os vacilos são punidos e corrigidos de maneira exemplar. E mesmo que isso não saia a público acontece internamente. Sites e revistas grandes e de renome tem a obrigação de punir os erros de modo que há pouquíssimos casos como este. Por isso, sites como IGN Brasil, UOL Jogos, Omelete, Adrenaline, Gizmodo e etc, tão bem longe de virar fake news ou de sair por aí plagiando material. Por isso apesar do clamor dos haters não se deixe levar pelo linchamento virtual. Você pode se chatear com o Marcus pela mancada, acho que faz parte, mas imagino que ninguém faça isso porque quer também.
E este temos que falar foi otimo, grato por ter discutido o assunto…pea que foi o primeiro e talvez o ultimo a fazer..
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Então você me chama de Juno-San porque tô gordão que nem uma montanha? =P
Achei maneiro seu ponto de vista em relação a essa pisada de bola. Me lembrou daquela época em que os editores iam até o aeroporto buscar as revistas gringas no freeshop pra saber em primeira mão o que rolava lá fora (isso no final dos anos 90).
Bom, essa treta foi tensa porque coloca em jogo todo o trampo que ele fez desde o Kotaku. Ele tá ligado que sempre curti o que ele produzia, e o que me deixa mais triste é não saber até que ponto foi mérito dele. E pensar que as pessoas já tão deprimidas tendo sucesso na carreira, imagina numa situação dessas.
Só resta então desejar muita força pro Marcão, e torcer para que ele consiga se reerguer rápido no jornalismo ou em outro caminho que ele decida seguir, porque com certeza ele fará um trampo maneiro e a partir de agora de forma ética.
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