Sobre ser gordo…

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Eu não me lembro de em alguma época da minha vida ter sido magro. Cresci ouvindo piadas de gordo e sofrendo bullying dos coleguinhas desde o Ensino Fundamental.

Óbvio que não fui só eu que passou por isso.

“Gordo é burro”; “Gordo é tonto”; “Gordo só faz gordice”;

Crescemos de fato ouvindo isso de um monte de gente. Algumas delas até são nossas melhores amigas.

Acho que o gordo cria uma carapaça muito forte de sentimentos pra se esconder dessas coisas que nunca ficam aparentes para quem pratica a brincadeira.

Eu mesmo já tô tão acostumado com isso que nem tenho mais reação alguma.

Tem uma coisa que acho que os gordos são em sua grande maioria: the real nice guys or girls.

Aliás, gordos são comediantes por natureza. Para se sentirem menos piores consigo mesmos geralmente fazem piada com tudo ou se fazem de desajeitados. Eu sou um desses.

Dentro desse sentimento ruim de ter um corpo indesejado, de se forçar a esquecer, mora o entendimento do quão ruim é se sentir deslocado e fora do que TODOS SUPOSTAMENTE CONSIDERAM UM PADRÃO, assim é por isso que estamos preparados de uma forma até que eficiente a ser olhos e ouvidos das outras pessoas com o intuito de não deixar que elas se sintam mal com elas mesmas, pois sabemos diariamente o que é se sentir assim.

Bom a minha idéia não é fazer uma dissertação sobre os tipos de obesidade, mas sim falar do meu caso em especial. Por isso vou tomar aqui que você sabe que os gordos não são assim por que querem ou porque não fecham a boca. Obesidade pode ser considerada até uma doença ou vício como as drogas e o alcoolismo.

Eu não me lembro de ter sido magro e isso porque fui gordinho desde os 12 anos e desaprendi a me ver de outra maneira. Sempre tive a auto estima baixa. Não me acho bonito e não me acho divertido.

Enfim, sendo apenas esse “Nice Guy” fui levando a minha vida inteira. Já tinha tentado fazer regime e academia, mas sempre desistia e o tempo cobrava seu preço me engordando tudo de novo.

Em 2009 terminei um namoro que foi bem triste de verdade. Durante um bom tempo só pensava naquilo de maneira que não conseguia fazer outras coisas. Geralmente quando as pessoas estão neste estágio elas começam a se “auto flagelar”. As pessoas bebem, se drogam fazem burradas umas atrás da outras. Em algumas vezes se machucam ou ferem outros. Eu jamais pensaria numa coisa dessas apesar de já ter um leque de burradas digna de um show de stand-up.

Na tentativa de esquecer o pé na bunda coloquei um par de tênis e sai correndo pela rua feito um maluco. Com mais de 120kg, depois de meia hora correndo quase vomitei e minhas pernas doíam tanto que não conseguia mais pensar em outra coisa. Aquela tristeza me tirava a fome e logo me tirou 2kg. Comecei então a fazer aquilo direto sem parar. Perdi mais peso, mas a vida fez o meu caminho mudar, e como perder peso não era o foco, então logo parei e voltei a pesar o que tinha antes.

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Em dezembro de 2013, entre um pedaço de peru e outro de Panettone, resolvi assistir a um documentário sobre alimentação chamado Hungry For a Change no Netflix americano. Lá entendi um monte de coisas sobre a indústria de alimentos e como ela faz para que a gente coma coisas ricas em gordura e sódio, mas pobre em nutrientes. Aquilo abriu meus olhos. Talvez para não ficar gordo e doente eu pudesse cortar algumas dessas coisas. E foi aí que comecei a tentar me alimentar de maneira mais saudável.

Tirei refrigerante, hambúrguer, chocolates, sucos e chás de caixinha, adoçante, além de tudo que fosse industrializado e que achasse que era ruim para mim.

Foi o primeiro choque que tive na vida ao descobrir que era absolutamente viciado em tudo aquilo. Como um drogado, eu entrava na fila do caixa do McDonald’s até me dar conta da burrada (“Sai Renato seu craqueiro do caralho !” – pensava) e ir pra casa encarar uma salada com frango. Li alguns livros e vi um monte de outros documentários sobre alimentação (não obesidade, mas sim alimentação). Fica a dica do Fat, Sick and Nearly Dead 1 e 2 que tem no Netflix Brasil.

Essa brincadeira até que durou seus bons seis meses e perdi cerca de 10kg. Meu colesterol ainda estava alto, mas nunca me importava muito com isso. Sedentário logo larguei tudo e voltei a comer porcarias em cima de porcarias.

Sentado em um escritório 9h por dia não me exercitava e saia pra comer besteirinhas com os amigos.

Com 35 anos além de gordo me sentia muito mal.

Ah, mas que fique claro que dá sim pra ser feliz sendo “Nice Guy” porque as vezes topamos com pessoas que nos amam por todo o conjunto da obra sem levar em consideração a aparência física. De verdade. Já conheci muita gente e fui muito feliz assim.

Mas mudar, ser saudável, feliz e emagrecer no processo é algo que fazemos para nós mesmos. Tem que ser. Todo o resto é consequência.

Já havia me acostumado com a ideia de tomar pouco refrigerante e tentar diminuir o colesterol tomando remédios para isso sem fazer nenhum pingo de exercício, mas ainda não estava feliz comigo. Meu pai teve um infarto que quase o levou embora, por isso tirar a garrafa de 2L de Coca-Cola que bebíamos todos os dias foi fácil.

Me acostumei com água e sucos naturais, mas percebi que o “Não” era o que me fazia querer comer e beber loucamente de tudo. Criei uma regra que dizia que se estivesse em uma festa ou em um evento podia beber refrigerante e comer porcarias. Sozinho ou em casa nunca.

Chateado com meu peso fui até a endocrinologista e perguntei a ela sobre a cirurgia bariátrica. Ela me contou tantos contras que me desestimularam a tentar. Olhou pra mim e disse: “Renato, você está assim porque não faz nada. Precisa fazer exercícios. Se fizer isso combinado com uma alimentação adequada vai perder peso de forma saudavel”.

Voltei pra casa e marquei também uma nutricionista que acabou virando mais uma psicóloga do que uma nutricionista. Ela ouvia todos os meus problemas e dizia que no meio do turbilhão eu tinha que arrumar tempo pra me dedicar a ser mais saudável. Sem saúde a gente não é nada e assim os problemas parecem sempre muito maiores.

Provar novos sabores também faziam parte do processo de reeducação alimentar que não me privava de nada apenas limitava o volume de porcarias que comia.

Em julho de 2014 fui com amigos assistir Guardiões da Galáxia. Puta filme bacana! Nele o protagonista Peter Quill, vulgo Star-Lord, era interpretado pelo ator Chris Pratt, um ex-gordo, mais um pro grupo dos “Real Nice Guys”.

Eu saí do cinema tão feliz que fui mesmo procurar curiosidades sobre o filme. Heróis como o Homem-Aranha sempre me faziam sentir melhor. Peter Parker tinha todos os problemas que eu tive no colégio, então me espelhava muito nessa ideia de que “apesar de se sentir mal com a maneira como as pessoas o tratavam, na hora certa o Homem-Aranha nunca virava as costas, mas estendia a mão para ajudar os outros”. Imagino que uns 98% de qualquer gordo, gorda, gordinho ou gordinha pensa assim.

Enfim, mas o cara que era o Star-Lord tem a mesma idade que eu, 35 anos, e pesava 136kg, quando foi escalado para o teste. O diretor diz abertamente que jamais o chamaria para o papel por conta do peso, mas ele foi convencido por uma assistente que adorava o Chris em uma série de comédia chamada Parks and Recreation.

O diretor de Guardiões da Galáxia achou excepcional o teste com Chris, mas disse a ele que não poderia contratá-lo já que o herói do filme não podia ser um gordo.
Pratt contratou um personal e malhou 5h por dia. Em seis meses perdeu tudo o que podia de peso. Chegou ao peso ideal e postou uma foto no Instagram que ficou famosa.

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Lógico que o cara é um milionário e que ele teve que basicamente perder peso pra fazer o herói em um filme que ia deixá-lo ainda mais milionário. Ele não era um Renato Siqueira, definitivamente.

Mas aquela história me deixou tão extasiado que pensei “porque não tentar?”. Aquilo poderia mesmo ser o estopim de uma mudança de verdade na minha vida.

Assim em um domingo de setembro chateado com algumas coisas que aconteciam na minha vida resolvi levantar e ir para a academia. Me matriculei na Smart Fit pela Internet e cá estou até hoje.

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Em 5 meses de treino quase diário perdi 20kg. Minha endocrino e minha nutricionista estão muito felizes com a minha vontade de ser uma pessoa melhor. Meu metabolismo começou a mudar a medida em que os níveis de massa magra estão maiores.

E o estímulo veio mesmo de um filme de super herói e da força de vontade de um ator “ex-gordo”.

Lógico que vou demorar mais de seis meses pra atingir a meta que tenho para minha vida, mas estou indo muito bem nesse ritmo. Não vou deixar que outras coisas atrapalhem isso e o meu hábito está servindo de estímulo para outras pessoas tentarem.

No começo é difícil mesmo, assim como aprender a falar japonês. Parece impossível, mas só com muito esforço e força de vontade é possível continuar e fazer acontecer.

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4 comentários Adicione o seu

  1. Pri-k disse:

    Parabéns!
    Emagreci 40 kilos e sei a força de cada palavra escrita aqui.

    #goodvibes

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  2. Juno disse:

    Te amo cara!

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  3. Antonio disse:

    Parabéns cara!
    Só quem passa por isso sabe como que é complicado, eu não cresci gordo mas engordei bastante e agora enfrento uma coisa que eu não enfrentava antes que é essa “gordofobia” das pessoas, sendo honesto já tinha auto estima baixa por outras n razões e grandes dificuldades pra me relacionar com outras pessoas, a questão do peso tá sendo apenas mais um fator nessa equação.

    Eu quero perder peso, mas não pra me encaixar melhor e sim para cuidar de minha saúde, mas é mais fácil falar do que fazer né? tenho que criar coragem e entrar nessa luta.

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  4. Carla disse:

    Cara, palmas lentas pra ti. Só quem ou já foi gordo sabe a dificuldade que é. Luto contra isso a vida toda e é difícil demais.

    Entre problemas hormonais e emocionais, o que me faz falta é o exercício. Não tenho ânimo pra nada, mas espero um dia poder dar essa virada que você deu. :*

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